Concreto sinuoso

Concreto sinuoso

Curvas e volutas inscritas em canaletas de madeira preenchidas de concreto. As esculturas de Rodrigo Sassi condensam diferentes vertentes construtivas em uma única peça. Com matéria-prima emprestada dos canteiros de obras, o artista desenha formas no espaço que transbordam o vocabulário da construção civil: o compensado e o cimento usados para fazer vigas ou colunas ganham leveza sinuosa nos trabalhos tridimensionais do artista. Apoiadas no chão ou integradas às paredes da sala expositiva, as esculturas remetem à gestualidade lírica da pintura abstrata.
Em sua análise das obras de Anthony Caro, no livro Caminhos da Escultura Moderna, Rosalind Krauss estabelece uma diferenciação entre o sentido imagético dos trabalhos e seus elementos concretos. A crítica se refere à dupla vocação de certas peças do escultor, de funcionarem como uma construção física e também pictoricamente, dependendo da posição adotada pelo espectador. “Da lateral, o observador (…) percebe a obra em termos de massa, porque esta ocupa o mesmo espaço que ele e está claramente relacionada a um fundo que é o mesmo que o dele. Da frente, essa orientação voltada para um fundo horizontal se modifica por completo. O trabalho se torna uma composição vertical e, portanto, seu espaço deixa de ser ocupado pelo observador e passa a ser percebido não apenas como aplainado, mas como irrevogavelmente afastado”, escreve Krauss acerca de uma obra do escultor britânico.
Esse raciocínio assenta com perfeição sobre as pesquisas tridimensionais de Sassi. A inteligência construtiva do artista faz com que as obras sejam passíveis de apreensão frontal, o ponto de vista da própria construção das peças, como uma ocupação de espaço pictórico retangular. Enquanto pinturas, elas se oferecem ao olhar como linhas e texturas de volumetria e organicidade reminiscentes dos objetos de Frank Stella e Aaron Curry. As esculturas de Sassi se apresentam simultaneamente como estrutura física a ser percorrida; como objetos, elas chamam a atenção para o tratamento de sua superfície e para o jogo de continuidades e descontinuidades entre as partes constitutivas de seu substrato material. Na condição comprimida de imagem, as obras remetem a uma escrita imaginária em que vários planos vazados se sobrepõem graficamente. Na experiência concreta de espacialização no espaço, elas se apresentam como planos irreconciliáveis que se espraiam de forma desorientadora.
A experiência da cidade impregna a obra de Sassi desde a época da faculdade. Seu trabalho de conclusão de curso na Faap, em 2006, envolveu a “exposição” de diversas intervenções urbanas em caçambas alugadas e distribuídas por ruas paulistanas. A série de obras anterior às peças tridimensionais que o artista desenvolve atualmente, chamada Pinturas Infiltrórias (2010-13), consistia na criação de “pinturas” por meio de infiltração de água com pigmento em retângulos de concreto – síntese da observação poética, que todo mundo já vivenciou um dia, das rachaduras na parede causadas por vazamentos de água. Outros trabalhos poderiam ser listados nesse inventário de embates do artista com a sua cidade natal.
Como Walter Benjamin nos ensina, “o estímulo superficial, o exótico e o pitoresco só têm efeito sobre o estrangeiro. Para retratar uma cidade, o nativo tem que ter outros motivos, mais profundos – motivos de alguém que viaja para o passado em vez de na distância. A obra de um nativo sobre sua cidade será sempre relacionada às suas memórias; o autor não passou sua infância lá em vão”. São Paulo está no DNA da arte de Rodrigo Sassi. A arquitetura brutalista, a cor cinzenta, a cultura do grafite e do skate, a noite e a música. Com e contra tudo isso, o artista cria uma arquitetura sinuosa de concreto armado, faz dançar e delirar o corpo da cidade vestido do avesso.

Juliana Monachesi