Desdobramentos Infiltrórios

Desdobramentos Infiltrórios

Entre as variadas características que podem orientar o crescimento de uma cidade, é possível pensar a formação geográfica como um dos pontos de partida para seu desenvolvimento urbano. A planta da cidade e a localização dos rios, lagos e mares, são alguns dos muitos itens a serem considerados. São Paulo, por exemplo, tem seu espaço urbano organizado ao redor do centro, com ruas embaralhadas e muitos dos seus rios e córregos encanados.
Em vivo contato com a cidade de São Paulo, a obra de Rodrigo Sassi se arquiteta em reflexo a sua geografia. Trabalhos repletos de curvas, intersecções, ladeiras, lixo, cinza, densidade, ramificações etc… Uma produção conduzida pelo tempo do enrijecimento da matéria, para que esta sustente a forma.
Enquanto mestres de obras armam concreto para edificações, Sassi usa-o em suas esculturas. O concreto armado permite ao artista criar traços maleáveis, angulados como os das ruas de São Paulo. Uma produção que dialoga diretamente com seu meio e problemática.
Entre o céu e a terra, bolhas! – 2013, trabalho selecionado pela Temporada de Projetos no Paço das Artes, Sassi desenha “nuvens” de concreto armado que flutuam no espaço. Uma obra que, assim como a água, é rígida quando no estado sólido e maleável no estado líquido. Trata-se de uma arquitetura do impossível, real apenas no universo da arte.
A maioria das esculturas atinge uma altura comparável à do pé-direito de uma casa e é capaz de envolver o espectador tanto por sua dimensão quanto por seu contorno. Ao mesmo tempo que imponentes, tratam-se de estruturas construídas tal qual o conceito de uma arquitetura vernacular, que se utiliza dos materiais e dos recursos do próprio ambiente da construção.
Rodrigo Sassi apropria-se de coisas encontrados na rua: compensados plastificados e mangueiras descartadas em caçambas de demolição são os principais objetos reutilizados pelo artista. Em EXPT 03 – 2011, trabalho que leva o nome do código impresso na mangueira que envolve a peça, toda sua estrutura é moldada por compensados plastificados reaproveitados do lixo. Da mesma forma foram construídos Esquina de lá # maior – 2011; Tripartindo – 2012; Perspectiva naval – 2012; Ponto para fuga – 2012; Pingueira – 2012 e outros. São esculturas que se relacionam com o que está na superfície da cidade, enquanto a série Pinturas infiltrórias – 2010-2013, dialoga com o que está escondido, canalizado.
Não por acaso, o artista trabalha com infiltrações; uma característica latente em uma cidade cinzenta como São Paulo. Visto que a grande maioria dos rios foi encanada e que a área verde praticamente não existe, a chuva não encontra muitos caminhos para escoar e acaba inundando a cidade. Nesse caso, a infiltração é urbana, enquanto as de Sassi se delimitam ao perímetro da pintura.
Seguindo a mesma lógica dos materiais usados nas esculturas, porém acrescentando pigmento colorido, as Pinturas infiltrórias (título que leva licença poética do artista) apresentam uma infiltração que se dá de dentro para fora, tal como a infiltração doméstica. Através dos furos na mangueira, a tinta encontra espaço para penetrar nas rachaduras do concreto. Compondo imagens que aludem aos caminhos das águas, o trabalho devolve ao rio o seu lugar de origem: a superfície.
Mas é em Orange Warp – 2013 que Sassi encontra o ponto de intersecção entre suas esculturas e a série de Pinturas infiltrórias. Um trabalho que não é definido por uma só técnica, pois, ao mesmo tempo em que pinta com a cor laranja da mangueira, Sassi modela o concreto sobre a madeira. É a partir desse experimentalismo que sua produção segue, em um híbrido de técnicas e linguagens. Uma obra cujo risco guia a forma, logo, o caminho a ser seguido só o tempo dirá.
Pois, assim como a urbe, Sassi não tem controle de seu desenvolvimento e é justamente isso que impulsiona sua poética. O artista, enquanto arquiteto do impossível, constrói com a destruição e faz do inusitado a regra. Entre ruelas sem saída, rios ou estradas, é para lá que sua obra nos guia, mesmo que dentro da galeria.

Paula Borghi