Sassi, Rodrigo e as esculturas do avesso – Ricardo Resende

Sassi, Rodrigo e as esculturas do avesso

Rodrigo Sassi (1981) é o quarto artista contemplado pelo Edital de Ocupação, da Fábrica de Arte Marcos Amaro, para o exercício de 2018 e 2019. O artista encontrou o lugar certo para instalar suas esculturas de energia da antiga Fábrica São Pedro.
A edificação ainda guarda vestígios de sua função e é, por si, escultórica no seu estado de abandono. A arquitetura tem linhas retas, paredes pesadas e alinhadas rigorosamente na cor desbotada pelo tempo. Sem portas, sem janelas. Sobrou o esqueleto do prédio que parece ter perdido sua cor original. Restaram apenas as paredes, o chão e o telhado, que permite passar luz por suas frestas rasgadas pelo tempo.
A impressão que se tem é ser este o lugar ideal para o artista experimentar suas esculturas por não ter conformação de espaço expositivo tipo cubo branco. O lugar no seu estado imponente de ruína poderia conflitar com suas esculturas que têm aparência visual como se estivessem do avesso com os vestígios das linhas e formas de madeira visíveis.
É bom lembrar dos artistas românticos do século XVIII, que tinham pelas ruínas admiração e inspiração por representarem fragmentos de um passado glorioso. É o mesmo sentimento que acomete os artistas e visitantes da Fábrica de Arte Marcos Amaro, quando se deparam com o estado de ruínas dos velhos galpões da fábrica de tecidos.

Além das belezas desse passado fragmentado, o que se via nas pinturas do final do século XVIII, era a natureza impondo-se inexoravelmente ao homem. As plantas subindo pelas paredes destruídas como vegetação parasitária, enfeitando ou acentuando o estado progressivo da destruição natural das edificações pelo tempo.
O que vemos nas pinturas românticas são plantas que adquirem naturalmente a condição de ornamentárias, dominando a “cena” da paisagem. Como as orquídeas que vegetam no tronco das árvores, as esculturas de Rodrigo Sassi na antiga casa de força e luz têm esse efeito parasitário ao se projetarem para fora das paredes e das pilastras, como se brotassem feito ornamentos da velha construção.
As paredes servem apenas de suporte para suas criações de formas feitas de concreto armado com material de descarte da construção civil. Usa madeira e vergalhões de ferro para amarrar as estruturas que monta, deixando a madeira usada para armar o cimento como adereço de suas formas que vão se entrelaçando pelo espaço aéreo. O trabalho é artesanal. Para dar as formas arredondadas que em alguns momentos lembram laços de fitas de tecido enrijecido, tal a maleabilidade e leveza visuais adquiridos na modelagem.
O artista não esculpe no senso comum do que entendemos por escultura. Molda com formas feitas de madeira compensada ou ainda, esculpe moldando, dando forma através de cortes na madeira para conseguir as curvas utilizando-se também de morsas para prender as partes, congelar o movimento do cimento e pressionar para dar as formas desejadas. Depois de montada, a forma é preenchida com o concreto deixando como residual a madeira mesmo depois de pronta a escultura e o cimento já seco.
A madeira que tem um lado laminado na cor marrom escuro acaba por delinear e reforçar o desenho da escultura no espaço. É um trabalho artesanal no uso da técnica de marcenaria para conseguir suas curvas e projeção no espaço em um contraste do claro e escuro dos materiais empregados.
A escultura de Rodrigo Sassi, como ele mesmo diz, vem da rua. Lembram os arabescos e as letras desenhadas pelos pichadores nas paredes e muros das cidades. Essa é a origem da obra ao lembrar com as letras ornamentais que cria com a madeira e o concreto o mesmo material de suporte para as pichações.
Sassi, que vem da cultura do skate e do grafite, tem também a noite e a música como inspirações. O desenho das esculturas é o mesmo grafismo emaranhado visto nas pichações dos muros e paredes das cidades.
Obtém com suas esculturas uma estética da degradação (controlada) e do abandono consciente provenientes de mofos e infiltrações com cores vistas em suas “telas” que remetem o espectador às pinturas tachistas abstratas. Percebeu os contrastes – entre o suporte de concreto e madeira e sua superfície de aspecto orgânico e leve – como algo que poderia continuar sendo explorado por meio de um viés construtivo. Foi buscar os conceitos que queria trabalhar no que fazia Gordon Matta-Clark (1943-1978).
Outros nomes que cita como referências ou que são relacionados à sua obra, são o britânico Richard Deacon (1949), os norte-americanos Martin Puryear (1941) e Theaster Gates (1973), cita ainda os brasileiros José Resende (1945), Angelo Venosa (1954), Ernesto Neto (1964) e Henrique Oliveira (1973). Com esse último, divide diálogo mais estreito.  Ainda pode-se observar o seu interesse pela obra de Paulo Whitaker (1958), que em alguns momentos de sua pintura deixa aparecer formas abstrata, grafismos e arabescos meio ornamentais com uma paleta característica muito própria, de cores opacas e inusitadas como a mistura vista em uma de suas telas onde coloca o rosa com o azul esmaecido, o amarelo vivo e o marrom terra roxa.
Atualmente, Sassi busca referências em outras fontes que não as artes visuais. Encontra na arquitetura ressonância na obra dos arquitetos Frank Gehry (1929), Zaha Hadid (1950-2016), Norman Foster (1935) e Santiago Calatrava (1951). Arquitetos que, como Sassi, mudam a paisagem externa ao irromperem na arquitetura com paisagens internas.
Trabalho artesanal, as gravuras são desdobramentos desta etapa construtiva da obra escultórica proporcionando uma sobrevida aos materiais provenientes de construções. As matrizes das gravuras são reaproveitamento do que não é utilizado nas esculturas. Recortes de madeiras e restos do que prepara para fazer os moldes são reorganizados sobre placas que posteriormente serão entintadas, como uma xilogravura e impressos sobre papel. As matrizes de madeira que se conectam com as esculturas, lembram a origem da matéria. Nada mais são que os rastros e as marcas da escultura.
A cidade que o inspira é aleatória, em constante transformação e que lhe permite pesquisar materiais. As ruas estão ali para serem usadas. Resta ao artista andar e descobrir com o olhar atento as coisas “invisíveis” que escondem-se na opacidade cinza da cidade.
Nunca se deu bem com cores, assume. A saída para a escultura foi estratégica e as cores não foram necessárias. Gosta do trabalho manual. Gosta do trabalho braçal. Não quer só pensar, quer botar a mão na massa, no seu caso, literalmente. Meio marceneiro, gosta de ficar de pé. Gosta de trabalhar em casa. Sair e dar a volta no trabalho que o leva para uma introspecção. Busca com isso a familiaridade e tranquilidade com a execução do trabalho de certa forma bruto, utilizando técnicas arquitetônicas de fabricação de formas de concreto armado, uma junção híbrida que funde madeira e concreto. São as característicos mais visíveis de seu trabalho.
Sassi apresenta na Fábrica de Arte Marcos Amaro uma instalação escultórica que se expande pelas paredes e pilastras da antiga casa de energia da Fábrica São Pedro. Um prédio abandonado no seu destino. As matrizes de gravuras estão emolduradas e expostas nas paredes de sala logo à frente da casa de energia e são apresentadas como complemento ou mesmo como conclusão da obra. Nada mais do que exercícios de composição. Como as partituras musicais com suas letras que dançam sobre o papel.

Ricardo Resende
Curador

Fundação Marcos Amaro

FAMA – Itu